José Mattoso (22/01/1933 – 08/07/2023)
Além da personalidade individual, do seu génio e talentos, houve uma herança familiar atenta à história, uma comunidade beneditina de profundas raízes culturais e visão teológica, uma universidade como Lovaina que orientou o seu espírito na abertura de horizontes da nova história. A liberdade em relação à instituição Igreja concedeu-lhe plena distância crítica, crítica de um observador de fenómenos tão distantes no tempo, muitas vezes com parcas fontes.
O conjunto vasto da sua produção historiográfica é uma herança que alguns discípulos acolhem e desenvolvem. Mas o conhecimento interior da instituição que estudou torna a sua descendência difícil. Não basta dominar as fontes, conhecer a bibliografia, ter veia analítica e rigor descritivo, há uma base teológico-histórica essencial, há um modo de questionar os documentos, um abarcar largo de relações e tensões que são neste caso um essencial ponto de partida.
Portugal ficará a dever ao mestre uma obra singular, renovadora. O que resulta de autêntico é a simultaneidade de dois conhecimentos que não se prejudicaram, antes potenciaram uma integração da dinâmica religiosa na leitura global dos acontecimentos, sem preconceitos, mas com a interioridade livre para a análise profunda e humilde das ações e inércias das pessoas e instituições.
A sensibilidade para com as dinâmicas do religioso no olhar global da história medieval é um legado a prosseguir, com as inovações metodológicas de cada hora e a visão atenta aos problemas que importa hoje iluminar.
Possam os historiadores ter a ousadia da humildade do professor Mattoso, que nunca pretendeu ser definitivo e que por vezes se corrigiu a si próprio. Tenho a convicção de que Mattoso mantém firme o essencial caminho de descobrir o fio do religioso no complexo tecido medieval.
Nasce hoje para a vida eterna um dos maiores historiadores portugueses e grande amigo.