Lágrimas do Intérprete: Mensagem Quaresmal
Quando o Presidente da Ucrânia Zelensky tomava a palavra, nas Nações Unidas, o intérprete comoveu-se e na voz adivinhamos lágrimas. Este facto emocionou-me, na crueldade da crónica da guerra.
Fez-me refletir, em véspera da Quaresma 2022. Posso ser um intérprete exato da Palavra de Deus, sem permitir que toque as vísceras interiores. Posso ser intérprete da dor e do sofrimento dos outros, carregando estatísticas, mas sem sentir o peso de cada pessoa na aproximação do afeto.
A capacidade de interpretação fria e fiel do que observámos pode ser reduzida a uma atuação de perfeito ator, sem fazer vibrar os sentimentos profundos que nos transformam em agentes incansáveis do bem e movem outros a serem construtores de um mundo justo e solidário. Mesmo quando se interpreta a alegria e a beleza de alguns momentos importa não esquecer que a sua força brota da intimidade da partilha.
Interpretar, seja a história da humanidade seja uma obra de arte, passa por entrar no jogo expressivo dos personagens e dos artistas, das circunstâncias e influências, abeirar-se da realidade, inteirar-se da maioria possível de fatores e conseguir identificar o ocorrido ou o criado.
A Páscoa de Jesus nos encontre disponíveis para vibrar com o dom inteiro da sua vida e para nos apaixonar pela radicalidade da sua mensagem, de modo a fazer-nos intérpretes sinceros e emocionados da sua ação na nossa debilidade, na fragilidade da condição humana. Nunca seremos intérpretes perfeitos, mas podemos ser afetivamente envolvidos, em comunhão com outras pessoas, em compaixão com o universo a caminho de Deus.